Devaneios Sazonais
Fui até a janela da cozinha. Dela observei tanta coisa que se passava lá fora. Dia chuvoso, carros estacionados, parquinho infantil enlamaçado, nenhuma criança brincando. Nos prédios da frente, esperei por aquele vizinho que vez ou outra observo atento, olhando pelo vidro o que se passa lá fora. Sim, hoje foi a minha vez de fazer! Nem de abrir a janela tive coragem, apenas encostei o rosto no vidro frio e olhei através dele. Nada. Nada se passou por um intervalo mínimo de tempo, então me dei conta de que na calçada oposta à minha um velhinho voltava do mercado. As duas mãos ocupadas com sacolas, máscara no rosto (item de uso obrigatório para entrar no mercado da esquina). Ah! Tempos difíceis! — pensei eu. Quando iríamos imaginar tal acessório como item essencial ao sairmos para a rua. Ele caminhava com destino certo, voltava para casa!
Era como uma cena roteirizada. Ao tocar na maçaneta da porta de entrada do prédio para sair de cena tal velhinho, surgem então duas crianças na esquina, estavam correndo, brincando, falando alto. Desaparecem. A cena é cortada quando viro o meu rosto para a outra esquina. Aparece um pai empurrando o carrinho de bebê. Pensei: “Está chovendo! Como ele consegue passear com seu bebê debaixo de chuva?” Me lembrei que aqui onde moro, as pessoas enfrentam um dia feio com uma normalidade a que não estou acostumada, é como se houvesse a obrigação de sair à rua para consertar isso, embelezar esse dia. Sim, aqui mau tempo não é motivo para não sair de casa, sempre há o que fazer nos espaços públicos que a cidade oferece. Sempre há beleza nesta cidade esperando ser compreendida.
“Seriam as pessoas a beleza da cidade?” Pensei eu. Foi então que me veio à memória o inverno. Ah o inverno! Mesmo com temperaturas baixíssimas ou mesmo com neve, os parques e praças estão lotados por aqui, com crianças vestidas como astronautas aproveitando o tempo que houver de lazer. Pessoas praticando esportes ao ar livre. Vejo beleza nisso! Me parece que há uma luta constante entre o clima e as pessoas daqui, as pessoas sempre vencem. Por mais adversa que esteja a situação lá fora, por mais rigoroso que esteja o clima, as pessoas continuam saindo, resistindo, lutando por um dia agradável ao ar livre. Há algo de belo lá fora que eles veem, que nem sempre vejo. Eles é que enfeitam o dia para mim.
O movimento desacelerado que acontecia do outro lado da janela, lá embaixo, me motivou a querer ver mais, procurar mais, observar mais. Troquei de Janela. Na sala abri a janela e coloquei finalmente a cabeça para fora. Queria interagir com tanta coisa que acontecia lá fora. Queria ser parte daquilo. Me deparei com o nada. Nada acontecia, não havia mais ninguém. Todos já tinham saído de cena. O velhinho tinha entrado no seu prédio, as crianças já tinham corrido para longe da minha rua, o pai de família, àquele momento, provavelmente já tinha se abrigado com seu bebê da chuva, ou estaria embelezando um parque infantil. Me perdi nos devaneios do inverno e não pude vivenciar esta tarde de verão à janela.
… Me dei conta de que estou à janela num dia chuvoso de verão. Preferi sair de cena! Fechei a janela e saí pela porta.